domingo, 10 de julho de 2011

O PROBLEMA DA TOLERÂNCIA


O PROBLEMA DA TOLERÂNCIA
A tolerância é a disposição para admitir nos outros uma maneira de ser, de agir e de pensar diferente da nossa, especialmente em questões morais e religiosas. A tolerância, dizem os seus defensores, está bem mais próxima do respeito pelos outros do que da condescendência ou da indiferença. Contudo, o termo está marcado por uma carga negativa: quando o organismo tolera um fármaco tal facto significa que não o rejeita, não lhe é alérgico. Por outro lado, algumas pessoas entendem que tolerar significa "aguentar, suportar" o que julgamos errado ou mau (tolerar um insulto); outras entendem que tolerar é uma forma de manifestar superioridade em relação a quem é tolerado (tolerância seria, nesta interpretação do termo, sinónimo de condescendência - "Podem fazer isso, nós deixamos"). Seja o termo feliz ou não, a verdade é que ele está consagrado pelo seu uso. Iremos utilizá-lo de acordo com a definição que foi sublinhada em itálico.
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O VALOR POSITIVO DA TOLERÂNCIA
«A tolerância não é necessariamente relativista e é o contrário da indiferença: somos sobretudo tolerantes quando essa diferença - "o outro" - é importante, pelo menos aao ponto em que desejamos construir com ele uma vivência plural.
A tolerância não é indiferença em relação ao outro, nem renúncia à comunicação com ele. A tolerância não implica de modo nenhum renúncia às nossas próprias convicções. Não é filha do cepticismo nem o reflexo de uma impotência intelectual. É, pelo contrário, produto de convicções firmes, das quais a primeira é o reconhecimento da dignidade da pessoa humana.
A tolerância é especialmente relevante para as minorias porque ao respeitar a sua liberdade garante a sua sobrevivência. E é precisamente esta concepção instrumental da tolerância, como condição para a realização dos direitos humanos, que também nos permite assinalar os seus limites: não pode haver tolerância com os que atentam contra a dignidade humana, não se pode ser tolerante contra a dignidade humana, não se pode ser tolerante com os intolerantes.»
A. Izquierdo, Imigração, pluralismo e tolerância, Ed. Popular - J. I. C; Madrid, 1993
1. De acordo com o texto ser tolerante é dar sempre razão a quem pensa e se comporta de modo diferente de nós?
2. Por que razão não é a tolerância sinónimo de relativismo?
3. Numa sociedade democrática e pluralista existe o reconhecimento das diferenças, da diversidade de costumes e de formas de vida. Na época da comunicação global, a abertura sem limites, desmedida, produz um certo temor. Onde iremos chegar? Onde acaba a tolerância e começa a permissividade? A tolerância é o mesmo que a total liberdade de costumes? Nem tudo deve ser tolerado. Mas com base em que critérios consideramos algo intolerável? Se as crenças são todas respeitáveis não será qualquer critério uma simples opinião entre outras possíveis e igualmente legítimas? Há valores que todos devem respeitar?
O texto responde a algumas destas questões, sobretudo à questão do critério do que é tolerável. Reflicta sobre essa resposta e tente apontar as suas eventuais limitações.
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O DISCURSO DO INTOLERANTE
O texto seguinte faz o elogio da intolerância. A tarefa que lhe propomos é a análise crítica das ideias e argumentos nele presentes.
«Os liberais dividem a vida humana em duas esferas, privada e pública; a sociedade, ou o Estado, tem um direito de vigilância sobre esta, mas não sobre aquela. Ora, todo o campo da opinião pertence à esfera do privado, e daí a liberdade de pensar, de dizer o que se pensa, de crer ou de não crer e, finalmente, de escolher tais ou tais valores, ou de os rejeitar a todos. A separação do Estado da Igreja consagra esse estado de coisas. O liberalismo não é mais que uma das consequências do individualismo.
Mas é uma consequência inaceitável. Das duas uma: ou um caso é considerado importante para a vida da comunidade, e então é aberrante abandoná-lo à decisão de cada um; ou então permite-se a livre escolha, mas porque se trata de uma coisa indiferente. A tolerância, ou respeito das escolhas individuais, é aceitável no que diz respeito à cor das peúgas, mas não quando se trata da verdade e do bem. Porque tolerância significa indiferença. A tolerância absoluta, ou indiferença, não é adequada nem à verdade nem ao erro, que nunca podem ser indiferentes ao ser inteligente [ ...}. A tolerância absoluta[... } não conviria, portanto, senão ao que não fosse verdadeiro nem falso, ao que fosse indiferente em si.
Falemos da liberdade de culto: esta só é admissível se tivermos previamente decidido que Deus é um assunto indiferente. Que haverá de mais absurdo que defender que todas as maneiras de honrar a divindade são indiferentes, mesmo as mais opostas entre si? Se aceitarmos ao mesmo tempo a Bíblia e o Alcorão, não significa isso que no fundo somos indiferentes à mensagem de verdade que ambos pretendem conter?
Não devemos cultivar a tolerância, mas a intolerância; não devemos cultivar a liberdade de opinião, mas a busca da verdade. O progresso de uma sociedade consiste na eliminação das zonas de dúvida. Que significa aceitar que cada um exprima a sua opinião? Das duas uma. Se a opinião em causa diz respeito a um assunto indiferente ao bem comum, então a publicação, uma vez que não pode prejudicar ninguém, nada tem de chocante. Mas como poderíamos fingir que as questões de política, moral e religião nada têm a ver com os interesses da sociedade quando afinal são justa mente essas as que a apaixonam mais que quaisquer outras? Ou então, se não queremos seguir essa via, reconheçamos que se trata de questões graves; mas, nesse caso, como pode ousar afirmar--se que é preciso admitir indiferentemente todas as respostas? O melhor não será preferível ao pior? Os valores cristãos são superiores a todos os outros. Não haverá ideologias cuja nocividade é reconhecida, e em relação às quais, consequentemente,
é pelo menos imprudente favorecer a circulação? Uma igual liberdade para todas as opiniões implica que todas as opiniões se equivalem ou dizendo de outro modo que renunciamos a qualquer hierarquia de valores. Ore, é absurdo querer ignorar o que certas coisas são, para uma sociedade. A ciência prefere o verdadeiro ao falso; que facto extraordinário justificaria que apenas a ideologia escapasse ao juízo praticado em relação a todos os outros domínios?»
3
SERÁ POSSÍVEL A COABITAÇÃO ENTRE AS RELIGIÕES?
A expansão e universalização das religiões monoteístas (sobretudo do cristianismo e do islamismo) não se deu sem conflitos e guerras que causaram imensos males. Para algumas pessoas Deus nada mais tem sido do que um instrumento poderoso ao serviço da vontade de poder e de domínio de uns seres humanos sobre outros. É, por isso, urgente, de acordo com o texto seguinte, rever o conceito de Deus, de modo a evitar ameaças graves à convivência entre sociedades e culturas moldadas por religiões diferentes.
«Hoje concebemos o mundo como uma história, ou seja, como um devir, como o lugar da acção e transformação humanas e concebemos o homem como liberdade criadora, responsável por si e pelo mundo. É o homem, e não Deus, o produtor e o responsável por esta história. Adquirindo a autonomia,
quer no plano do pensamento quer no da acção, o homem libertou-se a mesmo tempo de um Deus todo-poderoso, do qual era servo, de um Deus que colmatava as deficiências da existência humana - era a consolação para a tirania do tempo, o sofrimento e a morte - e as falhas do conhecimento humano.
Por isso, o homem de hoje compreendeu que, se existe um Deus, este não pode ser a negação da sua liberdade nem, por outro lado, um Deus adaptável às necessidades do homem e que se usaria para suprir as nossas insuficiências e justificar os nossos actos e os nossos empreendimentos.
Para o homem contemporâneo, Deus só pode ser algo completamente diferente: um Deus livre, respeitador da acção e da liberdade humanas, um Deus não útil (não manipulável pelo homem), em suma, um Deus gratuito. A contestação da tradicional imagem de Deus reforçou-se com a percepção de que esse Deus omnipotente estava demasiado ligado a um certo estado do mundo e da sociedade. Percebeu-se efectivamente a função que esse Deus exercia como garantia de uma ordem estabelecida, fortemente conservadora, tanto no mundo como na Igreja. Não faltam exemplos do papel desta imagem
de Deus na conservação da ordem das coisas e da hierarquia dos seres, ao mesmo tempo que as desigualdades sociais são ou ocultadas ou justificadas. A contestação da função social exercida por essa imagem de Deus tornou este incrível. Se há um Deus este deve ser diferente: um Deus inacessível ao nosso pensamento (que não possamos definir), um Deus não manipulável pelo homem, um Deus que não seja o aval e o instrumento do domínio e da opressão do homem pelo homem. Em suma, um Deus livre para homens livres que são autores da sua história.
Estas são algumas das exigências para falar de Deus na nossa cultura. Não podemos omiti-las: são um ponto de partida obrigatório da questão de Deus hoje.»
La Question de Dieu, Cahiers de la Tourette, série verte, pp. 6-7
a) Que novo conceito de Deus propõe o texto?
b) Se julgarmos as religiões pela capacidade que mostraram para promover o amor e a unidade entre os seres humanos (isto é, se julgarmos a árvore pelos frutos) a que conclusão chegaremos? Positiva? Negativa?
c) O novo conceito de Deus proposto pelo texto é compatível com a "crucificação" da humanidade para preservar a integridade de uma doutrina ou de um credo? O que deve ser mais importante: as religiões instituídas ou o ser humano?

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