sábado, 9 de julho de 2011

Consciência Moral e Responsabilidade


Consciência Moral e Responsabilidade
Valores e normas morais não são nem coisas exteriores ao sujeito moral nem simples criações individuais ou subjectivas. Nenhum de nós inventou sozinho os valores e as normas morais. Fomos encaminhados para o seu conhecimento pela educação, pela família, pela escola e por outros agentes de socialização que no-los transmitiram. Mas do sentido dos valores que me foram transmitidos, ou seja, da sua validade, sou eu a decidir. A questão fundamental da moral pessoal é esta: "Que valores merecem o meu compromisso?" A relação do indiduo com as normas morais existentes implica, para que se possa falar de vivência moral, a liberdade para as aceitar ou não. Por outro lado, uma vez que as
normas morais são gerais, a sua aplicação a cada caso particular é obra do indivíduo na situação em que se encontra. A decisão compete-lhe. Que o indivíduo sem apoio de qualquer norma existente tenha de decidir como actuar é, como veremos, frequente no caso dos conflitos morais (situações em que não existem receitas morais prévias).
No estudo do tema "Consciência moral e responsabilidade" iremos considerar o modo como o sujeito se refere às normas morais existentes, isto é, a atitude pessoal que, em última análise, confere ao seu comportamento uma determinação moral.
1.       A Consciência moral
A moral tem uma dimensão social e uma dimensão pessoal. A dimensão social significa que nas comunidades humanas existe um conjunto de normas que regulam as acções e relações entre os seus membros. Essas normas estão expressas quer no direito positivo (Ex.: a proibição de roubar) quer, de forma implícita, nos usos e costumes (Ex.: em caso de acidente devemos socorrer primeiro as crianças). A dimensão pessoal tem a ver com o modo como interiormente nos relacionamos com as normas morais socialmente estabelecidas. Por outras palavras, só podemos falar de sujeito moral se este assumir as normas como suas e não simplesmente como algo que é imposto pela sociedade. As normas morais não só exigem ser cumpridas pelo sujeito humano como também uma adesão íntima, uma convicção interior que se revela nas nossas intenções.
A consciência moral é a instância íntima e pessoal - dita "voz interior" -, que, além de assumir e fazer suas (interiorizar) as normas morais, as avalia também quanto à sua rectidão. É a capacidade de julgar e avaliar o que é correcto e de orientar a acção para o cumprimento do que é devido.
Enquanto juiz interior que incita, repreende, dissuade ou acusa, a consciência moral é a voz da nossa consciência enquanto sujeitos racionais e livres, capazes de responder pelos próprios actos e também capaz de avaliar os actos dos nossos semelhantes. As normas morais são-nos transmitidas por instituições como a família e a escola, entre outras. Esta origem externa das normas morais suscita o problema da autonomia da consciência moral.
A consciência moral é autónoma quando assumir e interiorizar as normas morais vigentes. “Fazê-las suas", significa que se autopropôs as normas que devem reger a sua acção, decidindo sem coacções. Agimos de forma autónoma ao decidir que normas consideramos boas ou válidas, confrontando-as com valores ou princípios que consideramos universais. É o caso da pessoa para quem o respeito pelos outros é um princípio universal, que deve guiar a sua conduta mesmo que viva numa sociedade racista ou segregacionista.
A pessoa autónoma não é aquela que "faz o que lhe apetece ou o que lhe na gana" nem aquela que rejeita a referência a qualquer norma estabelecida. Avalia esta e fá-la sua se a considerar como própria de seres humanos. A consciência moral é heterónoma quando se guia, ao cumprir as normas, pela autoridade dos outros (pelo que nos dizem), pelo mero interesse pessoal (as normas morais são assumidas se favorecerem os nossos interesses) e pela opinião da maioria. A consciência moral heterónoma submete-se às normas estabelecidas, não as dá a si mesma, não as faz suas (para tal devia
reflectir sobre elas e avaliá-las).
2. A Responsabilidade Moral
A responsabilidade é a característica de quem tem a capacidade (de quem pode) de responder pelos seus actos, reconhecendo-os como seus e assumindo as suas consequências ou efeitos. A responsabilidade é a liberdade comprometida, própria do que não se esconde atrás das suas decisões e
aões, que não se demite da obrigação de prestar contas - a si mesmo e aos outros - pelo que faz e pelos resultados dos seus actos.
A responsabilidade designa a possibilidade de imputarmos, de atribuirmos uma acção a alguém que consideramos ser seu autor.
Quando nas reuniões de avaliação se verifica que um aluno não realizou os trabalhos, testes ou tarefas indispensáveis à sua classificação, os professores declaram que não foi atribuída nota por motivos imputáveis ao aluno. Este é responsabilizado pelo facto porque a ele se deve a auncia de elementos de avaliação.
2.1. As Condições da Responsabilidade Moral
Em que condições podemos legitimamente julgar que alguém é moralmente responsável por um acto, ou seja, que condições são requeridas para que possamos louvar ou censurar alguém pela sua maneira de agir? Em que condições podemos responsabilizar-nos por actos censuráveis ou louváveis?
São requeridas duas condições fundamentais:
1 - Que o agente aja conscientemente, com conhecimento de causa, isto é, que não ignore as circunstâncias em que a sua acção se desenrola e que de certa forma possa controlar as consequências imediatas do seu comportamento.
Ex.: Suponhamos que o condutor de um automóvel circula a velocidade moderada pelas ruas de uma cidade quando inesperadamente um peão distraído atravessa sem lhe dar tempo para travar, sendo colhido e ficando gravemente ferido. O condutor não podia prever a distracção e a incúria do peão (da qual resultam atropelamento e ferimentos). O atropelamento acontece por razões que são imputáveis a quem descuidadamente atravessou a rua. O automobilista está, assim, eximido de qualquer responsabilidade no sucedido.
O mesmo já não poderá dizer-se do condutor que, com a impaciência característica de muitos "Rambos do asfalto," ultrapassa um veículo longo e pesado numa curva sem qualquer visibilidade e, embatendo num veículo que circula em sentido oposto, provoca morte e ferimentos nos seus ocupantes.
2 - Que o acto realizado seja intencional, isto é, derive de uma decisão consciente, voluntária e livre do agente, não sendo este forçado a agir de uma certa maneira.
Há actos que escapam ao controlo e domínio da nossa vontade e outros que a contrariam ou constrangem. No primeiro caso, falamos de coacção interna; no segundo caso, de coacção externa.
Coacção interna - Certos actos têm a sua origem no agente e, no entanto, não derivam de uma decisão
voluntária, mas sim de um impulso irresistível. Ex.: Roubar é, normalmente, um acto que não tem desculpa e quem o comete é objecto de reprovação moral. Assim, se Y, indivíduo que vive em boas condições económicas, rouba uma máquina de barbear a um amigo que o convidou para jantar em sua casa, não hesitamos em responsabilizá-lo por um acto tão estranho e mesquinho. Contudo, a nossa avaliação alterar-se-á se soubermos que Y sofre de uma doença chamada cleptomania, caracterizada por um impulso irresistível para a apropriação de bens alheios. Esse impulso foi mais forte do que ele: não pôde agir de modo diferente daquele como agiu. O acto não foi propriamente seu, não foi ele o seu autor ou causa, mas sim constrangimentos ou forças internas sobre as quais não pôde exercer controlo. Não tendo agido livremente, por decisão voluntária, não pode ser responsabilizado, o acto de roubar não lhe pode ser imputado.
Coacção externa - Certos actos são realizados pelo sujeito, mas a sua origem ou causa está:

a) Em circunstâncias imprevistas que forçam o agente a agir de certo modo contra a sua vontade;

b) Em alguém que o força a realizar um acto não escolhido ou querido pelo próprio agente.

Exemplifiquemos o que se diz na alínea a):
Circulando a uma velocidade regulamentar um automobilista vê, de súbito, um peão atravessar imprudentemente a rua. Para não o atropelar vê-se forçado a efectuar um brusco desvio que provoca o atropelamento de uma pessoa que, junto a um semáforo, esperava a sua vez para atravessar a rua, deixando-a gravemente ferida. Não tendo podido prever o movimento do peão, o condutor não teve outra alternativa senão fazer o que fez, tendo, sem o querer mas forçado pelas circunstâncias, ferido outro transeunte. Nada do que aconteceu resultou de uma escolha ou de uma livre decisão: não é responsável pelo que sucedeu. Houve causas externas que ditaram o desenvolvimento dos acontecimentos.
Exemplifiquemos o que é dito na alínea b):
Suponhamos que um certo indivíduo, sob a ameaça de uma arma de fogo, é forçado por um lunático a incendiar a casa do vizinho, acto terrível e inimaginável em circunstâncias normais. A ameaça de morte é uma coacção extrema que manieta a vontade e a capacidade de escolha do indivíduo ameaçado. Este não age por decisão própria, mas é forçado a realizar um acto: a coacção externa exercida pelo outro indivíduo não lhe deixou a possibilidade de optar. A causa da sua acção não está nele mas sim fora dele, no indivíduo que o ameaçou. Como a sua acção não foi intencional ou livre, o indivíduo que, nestas circunstâncias, incendiou a casa do vizinho não pode ser considerado moralmente responsável pelo sucedido.
O mesmo se poderá dizer do caixa de um banco que, ameaçado de morte, entrega o dinheiro ao assaltante: não pôde agir da maneira que teria desejado. A atribuição da responsabilidade de um acto a um agente supõe que este aja livremente, ou seja, que, tendo agido de certa maneira, pudesse ter agido de outro modo.
2.2. Responsabilidade e Culpabilidade
Quando, interrogado sobre a fuga de segredos de Estado, ouvimos o chefe de um governo prometer que "Vamos apurar responsabilidades!" facilmente entendemos que se trata de procurar o culpado ou os culpados; se uma pessoa é infectada pelo vírus da sida na sequência de relações sexuais com um parceiro que sabia sofrer dessa doença e lhe escondeu a verdade, ao dizermos que ele é responsável identificamo-lo como culpado; o jogador de futebol que, depois de ver a sua equipa desperdiçar uma dúzia de ocasiões de golo flagrantes, atribui a responsabilidade pela derrota ao árbitro está a dizer "Foi
ele o culpado do nosso fracasso!".
Como se vê, o termo "responsabilidade" é frequentemente identificado com o termo "culpabilidade": faz parte da linguagem e do modo de pensar comuns traduzir "culpado"por "responsável". Como se os actos meritórios não tivessem responsáveis, como se só fossem imputáveis aos homens os actos que consistem em transgressões, crimes ou faltas. O próprio senso comum denuncia a sua própria incoerência no uso do conceito de responsabilidade quando se ouve dizer" João é um jovem responsável". O que quer esta afirmação dizer? Que João é "consciente", faz um bom uso da sua liberdade, que é digno de estima e apreço. A identificação entre responsabilidade e culpa é, por conseguinte, inaceitável: todo o culpado é responsável, mas nem todo o responsável é culpado.
Este princípio tornar-se-á claro se explicitarmos em que condições o responsável por um acto - aquele a quem atribuímos a capacidade e a obrigação de por ele responder - é também culpado.
1 - Que o acto tenha a sua origem num agente animado por uma intenção malévola.
Quem transgride voluntária e intencionalmente a interdição de matar é culpado e moralmente censurável, salvo situações extraordinárias como a guerra e mesmo aí só num determinado contexto; já não consideraremos culpado quem, sem qualquer intenção e sem possibilidades de o evitar, provoca ferimentos noutra pessoa.
2 - Que o acto tenha a sua origem numa negligência do agente.
 Como diz Alain Etchgoyen:
A negligência é a cruz da responsabilidade. Como indica a sua etimologia, rompe a ligação - negligo - que une o acta inicial de decidir às suas consequências. A moral preocupa: a preocupação da consciência moral é de estar ocupado, antes do tempo, com as consequências deste acto e depois do outro.
Pensemos nestes dois casos:
a) Um farmacêutico prepara mal um medicamento porque lê, sem prestar suficiente atenção, a receita do médico. O paciente toma o medicamento e morre.
b) Outro farmacêutico lê igualmente sem atenção uma receita e prepara um medicamento que, se ingerido, causará a morte do paciente. Por acaso, este escapa a essa morte estúpida porque perde o medicamento antes de o tomar.
O exemplo é extremamente artificial, mas importante.
O primeiro farmacêutico provocou a morte do paciente de modo involuntário. Foi a sua negligência que esteve na origem do lamentável acontecimento.
O segundo farmacêutico agiu de forma igualmente negligente. Por um feliz acaso não se verificou o mesmo resultado do caso anterior.
No plano moral são ambos igualmente responsáveis por negligência, por não terem pensado nas consequências dos seus actos. Com efeito, o acaso não diminui a responsabilidade moral do segundo farmacêutico.
A diferença verifica-se no plano jurídico ou penal. Eventualmente, o primeiro teria de responder em tribunal pelo seu acto e pelas suas consequências, ao passo que o segundo, tendo em conta o que passou, nem se aperceberia de ter agido de forma negligente, moralmente censurável.

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