domingo, 15 de maio de 2011

A FILOSOFIA É SUBJETIVA?


«Ao contrário da ciência, a filosofia é subjetiva? Não pode a filosofia alcançar verdades objetivas, dada a natureza dos problemas que procura resolver?»
Dê atenção ao seguinte diálogo:
Joana – Não percebo por que vais seguir Filosofia?
João – Eu é que não percebo qual é o teu problema.
Joana – A ideia com que fiquei da filosofia no liceu foi a de que os filósofos nada mais fazem do que dar opinião sobre diversos assuntos que até podem ser interessantes, mas não apresentam provas convincentes porque não as baseiam em factos.
João – De que factos estás a falar?
Joana – De factos objectivos, como acontece com as ciências, a física e a química.
João – Queres dizer que só o que se baseia em observações e evidências empíricas é verdadeiro e objectivo?
Joana – Claro, sem isso toda e qualquer teoria não passa de opinião e quanto a isso cada qual tem a sua.
João – Tens a certeza disso que dizes?
Joana – Tenho e por isso é que acho que a filosofia é um pouco irritante. Tanto tempo a procurar a verdade e afinal ela nunca mais se alcança. A filosofia é subjectiva.
João – Não achas que isso é também uma opinião?
Durante muito tempo, filósofos como Aristóteles, Descartes e Hegel, entre outros, consideraram que a filosofia era uma ciência, entendendo por ciência um saber capaz de nos dar o conhecimento do que a realidade é em si mesma. Hoje em dia, e como resultado da separação entre a filosofia e as ciências, já não é essa a ideia de ciência que vigora. As proposições da ciência são para nós algo que faz parte de um saber que julgamos rigoroso. O que as distingue das proposições filosóficas é o facto de serem submetidas a testes empíricos
que pretendem avaliar a sua verdade. Quanto à filosofia, dada a natureza dos seus problemas, não podemos basear-nos em testes empíricos para provar a falsidade ou verdade das suas teorias. Será, contudo, errado concluir daqui que a filosofia não é um saber rigoroso. A única coisa que devemos concluir é que a filosofia não é uma ciência tal como este termo é hoje entendido. O que distingue os problemas filosóficos dos problemas de outras áreas de investigação, como a física ou a química, é o facto de não terem solução experimental.
Mas como saber e ciência não são termos que se identificam, devemos reconhecer que há formas de saber racional que não são ciências e é esse o caso da filosofia.
Joana afirma que a filosofia não consegue atingir verdades objectivas porque, ao contrário da ciência, não se baseia em factos e dados empíricos observáveis. O argumento de Joana é este:
Todas as proposições objectivamente verdadeiras são proposições empiricamente verificáveis.
As proposições da filosofia não são empiricamente verificáveis.
Logo, nenhuma proposição filosófica – nenhuma teoria filosófica – é objectivamente verdadeira.
O argumento é válido. Mas será bom?
Se queremos atacar a conclusão por discordarmos dela, temos de avaliar a verdade das premissas. A segunda é verdadeira. Mas será a primeira aceitável? Parece que não. Vejamos:
A primeira premissa diz que Todas as proposições objectivamente verdadeiras são proposições empiricamente verificáveis e assume que isso é verdade.
Mas como provar que é verdadeira? Utilizando o seguinte critério: Só é objectivamente verdadeira a proposição que for empiricamente verificável. Há contudo um problema: ao contrário de proposições como «A Terra tem uma Lua», a proposição Todas as proposições objectivamente verdadeiras são proposições empiricamente verificáveis não pode ser verificada empiricamente, não há nenhum experimento científico que possamos constituir para verificar se é verdadeira.
No fundo, a referida proposição é uma proposição filosófica (sobre a natureza da verdade) e, não sendo como tal uma proposição empírica, não pode ser empiricamente verificável. A proposição que diz que só é objectivamente verdadeira a proposição que for empiricamente verificável não pode ser empiricamente verificada. Isto significa que se nega a si própria. Como uma proposição que se nega a si mesma não pode ser verdadeira, então não temos nenhuma 
boa razão para pensar que, por lhes faltar confirmação empírica, as proposições filosóficas não podem ser objectivamente verdadeiras.
Os problemas filosóficos não são simples questões de opinião. Não vale tudo. Consideremos duas proposições: 1. Deus existe e 2. Deus não existe. Não se pode dizer que sejam ambas verdadeiras ou ambas falsas. É contraditório que Deus exista e não exista ao mesmo tempo. Ou Deus existe ou não existe. Assim sendo, há uma verdade objectiva acerca deste problema: uma das disjuntas ou é verdadeira ou é falsa. Por isso, pode haver proposições filosóficas objectivamente verdadeiras. O problema consiste em distinguir, neste caso e noutros, que proposição é verdadeira e que proposição é falsa. O trabalho dos filósofos consistirá em encontrar as melhores razões para pensar que há proposições ou teorias mais razoáveis do que outras. E fazem isso apresentando argumentos que, quanto melhores forem, mais razões nos dão para acreditar numa teoria e para a considerar verdadeira.

sábado, 14 de maio de 2011

A RELATIVIDADE DOS VALORES E COSTUMES

Discussão sobre a existência ou não de ideias ou valores comuns a todos os seres humanos
M: - (apontando a notícia do jornal) Esta gente esfola--se a discutir se as mulheres devem ou não ter a cara tapada. Pergunto se alguma coisa em que as pessoas se possam entender.
F: -  Estás a r a questão de saber se há ou não uma Razão Universal.
M: - Com esse palavrão o problema torna-se mais importante?
F: - Não. Serve para lembrar que não foste o único a pôr tais questões, que elas já foram e estão a ser debatidas por filósofos, políticos ...
M: - Não sei porque insistes em me arrastar para a filosofia, se tu mesmo reconheces que as suas questões (que, para mim, nem têm sentido) nunca estão encerradas.
F: - Dás-me a entender que a questão já está encerrada por ti. Mas a questão tem pleno sentido: "Razão Universal" seria uma razão comum a todos os homens.
M: - Sabes bem que tal coisa não existe. Cada cabeça cada sentença. Como podes falar de razão universal depois de teres assistido a uma campanha eleitoral? Ou a fracassos de tentativas de paz? Ou de já saberes que cada povo tem as suas ideias?
F: -A questão não está resolvida. E posso mostrar que não aceitas algumas consequências da tua tese.
M: - É impressionante essa pretensão de saberes mais das minhas ideias do que eu próprio...
F: - Imagina que estás a fazer férias na Trutilândia...
M: -Onde?!
F: - Na Trutilândia. Não existe mas podia existir. Pouco depois de chegares vais preso porque te
assoaste a um lenço verde.
M: - Como é que isso pode ser?
F: - É contra a religião deles conspurcar tecidos verdes e ao assoares-te...
M: - Estou a ver. E depois?
F: - Depois certamente te revoltavas dizendo que tal princípio religioso é aberrante e que fere os mais elementares princípios do bom senso ...
M: - E não é verdade?
F: - Talvez. Mas o caso é que estás a admitir que há algo de básico, o "bom senso", que se deveria verificar em todos os povos e indivíduos seja lá qual for a sua educação e história.
M: - Quer dizer - inventas uma história aberrante para concluíres que eu estou enganado!
F: - Muitas histórias destas ocorrem e continuam a ocorrer. Alguns povos achariam absurdo andares vestido com este calor...
M: - Isso apenas prova que os povos têm ideias totalmente diferentes e que, por isso, não devemos pensar que as nossas devem servir de padrão.
F: - Isso é bonito e estou disposto a concordar na maior parte do tempo. Mas há problemas...
M: - Claro, tu tinhas de filosofar esta coisa...
F: - Que fazes ao exemplo do lenço verde? Toleras? E, se não há limites para a tolerância, como podes exigir a um qualquer povo que respeite os direitos humanos?
M: - Deve, de facto, haver limites...
F: - Pois. E esses limites ou se baseiam em princípios racionais comuns a todos os homens ou são impostos por um povo ou cultura dominante e estamos perante um caso de intolerância.
M:- Ess a sugerir que as decisões da ONU contra os atentados aos direitos humanos são  casos de intolerância?
F: - Não sei. Claro que a minha tendência é dizer que não. Mas não sei se estou a falar apenas do ponto de vista de uma cultura que quer impor os seus valores a outras...
M: - Bravo! De tanto pensar não serás capaz de dar um passo em frente porque concluis sempre que podes estar enganado!
F: - Não. Sobre o problema, sei, para começar, que se não defendo a existência de uma razão universal tenho uma base para a tolerância mas não sei como encontrar os limites desta; ganho essa base se defendo a sua existência mas corro o risco de querer impor a minha opinião, julgando que ela reflecte a razão comum. Mas...
M: - Não sabes o que hás-de fazer!
F: - Sei que devo agir tendo em mente os limites das minhas opiniões. E sei que podemos procurar alternativas: pode-se, progressiva e lentamente, procurar construir essa razão comum por uma espécie de contrato. Afinal quando fazemos acordos comerciais estabelecemos condições que devemos respeitar. Porque é que a ONU ou outras organizações internacionais não hão-de ter um futuro semelhante?
M: - Porque os povos, como as pessoas, procuram, em primeiro lugar, defender os seus interesses.

DIÁLOGO SOBRE A PENA DE MORTE


DIÁLOGO SOBRE A PENA DE MORTE
M:- (apontando para o jornal). Vê este assassino. Devia ser condenado à morte.
F: - Então sempre és a favor da pena de morte.
M:- Claro. Há que deter o crime e a pena de morte fará o potencial assassino pensar duas vezes. Não achas?
F: - Penso que isso deve ser discutido. Parece-me, para já, que a pena de morte é uma ameaça aos inocentes.
M: -Porquê?
F: - Porque, por muito cautelosos ou escrupulosos que os juízes ou os jurados possam ser, é sempre possível um erro. E um erro irreparável...
M:- Podemos reservar a pena de morte para as condenações onde haja a certeza absoluta. Aí não há que hesitar.
F: - Parece-me que não estás a perceber a posição de um juiz. Quando o tribunal tem a menor dúvida o benefício é sempre concedido ao réu. Não há réus condenados com meia certeza.
M:- Mas isso é mais um motivo para aceitarmos a pena de morte. Se há certeza...
F: - Parece-me que estás um bocado confuso. Nunca te aconteceu verificares que estavas enganado sobre algo de que julgavas estar absolutamente certo?
M:- Já me aconteceu. Mas...
F: - E há alguém a quem isso não tenha acontecido?
M:- Não me deixaste acabar. s podemos ser superficiais. Mas nos tribunais só se chega a certezas depois de longas investigações, testemunhos e provas.
F: - Deves reconhecer que sempre houve, apesar de toda essa investigação, erros nos tribunais. O conhecimento é sempre incompleto. Por isso, o acaso, as circunstâncias, a conspiração, podem apontar para um suspeito, mas um simples facto pode anular todas essas "provas" ...
M:- Estás é a desvalorizar os tribunais. Estás a dizer que, apesar de todos os esforços, a sentença é sempre incerta e arbitrária. Era bem feito que tivesses de recorrer a eles se te assassinassem um familiar. Ias dizer, claro, que tinhas pena de x, que o juiz declarou culpado, porque o juiz podia estar enganado e depois...
F: - Extrais uma série de coisas do que eu digo e, em vez de me perguntares se de facto penso assim, vais por aí fora como um toiro bravo...
M - Agora estamos nas provocações?
F: - Vamos com calma. Não desvalorizo a função do juiz. Enobreço-a reconhecendo os seus riscos. Se houvesse certezas o seu trabalho seria muito mais fácil.
M: -Estás a pôr os pés pelas mãos. Primeiro disseste que no tribunal não se decide com meias certezas, agora dizes que a certeza é impossível. Devias, portanto, criticar os tribunais por se proporem uma tarefa impossível. Em vez disso elogias a nobreza da sua função. Se não te entendes com as tuas ideias como queres que os outros te entendam?
F: -O juiz pode ter a certeza de ter feito o que podia para apurar a verdade. Ele decide quando pensa que já fez tudo o que pôde para apurar a verdade. Mas ele sabe que há sempre um risco de erro e é nobre assumi-lo.
M: -E porque não assumi-lo com a pena de morte? É o mesmo: investigar por todos os meios possíveis e se já não se vê como se pode pôr a culpa em dúvida...
F: -E acusas-me de raciocinar em abstracto! Vê bem as consequências do que estás a dizer: um erro que não envolva a pena de morte pode, se for descoberto, ter alguma reparação. As leis podem, por exemplo, fixar indemnizações para esses casos. Mas que vale isso para o inocente executado?
M: -Pronto. Já vi que és contra a pena de morte. Para ti o assassino deve ser tratado com chazinhos porque podemos vir a descobrir que é um anjinho...
F: -Sempre precipitado. Como não és capaz de imaginar alternativas achas que os outros têm de pensar o que vem à tua cabeça. O que gostava de saber é o que tens a dizer quanto à possibilidade de condenarmos inocentes à morte.
M: -Olha, pego nas tuas palavras. Há riscos. Se não corrermos tais riscos, os inocentes sofrerão porque o número de assassínios, e é sobretudo nesses casos que estou a pensar, aumenta sem a pena de morte. Se não corrermos o risco de condenar um inocente estamos a condenar muitos outros.
F: -A tua análise continua abstracta. Só estás a ver um ângulo da questão. Vê: para que as leis sejam eficazes é preciso que os cidadãos as respeitem minimamente. Sem respeito, o Direito será um conjunto de obrigações que as pessoas acatam contra a vontade e violam mal suspeitam que podem ficar impunes. Admite agora que surge a notícia de que os já executados João e Manuel estavam inocentes. Tal direito inspira respeito?
M:- Ora, estás com medo do que pode muito bem não acontecer. Para mais as pessoas reconheceriam que tal sacrifício foi útil para diminuir os assassínios...
F: - E eu é que me estou a antecipar à realidade! Isso só seria verdade se a pena de morte diminuísse bastante os assassínios. Ora, como devias saber, está longe de acontecer nos países que a adoptam. Os assassínios continuam e as pessoas procuram outro bode expiatório: ineficácia das polícias, estrangeiros a mais, permissividade na educação, as igrejas vazias, professores de calças de ganga, a violência na TV e por aí fora.
M: - Tanta coisa para as pessoas investigarem antes de tomarem posição sobre a pena de morte. Isso é para, entretanto, não se fazer nada?
F: - ... ou para fazerem mas cautelosamente, sabendo que essa decisão pode revelar-se errada.