quarta-feira, 13 de abril de 2011

O RACIONALISMO DE DESCARTES (IV) - O CONCEITO DE VERDADE


O RACIONALISMO DE DESCARTES (IV)
O CONCEITO DE VERDADE
A atitude de Descartes perante o saber do seu tempo (o saber tradicional) pode caracterizar-se segundo dois vectores:
1O conjunto dos conhecimentos, que constituem o sistema do saber ou o edifício científico tradicional estão assentes em bases frágeis.
2.° Esse edifício científico é constituído por conhecimentos que não estão na sua devida ordem, não estão devidamente ordenados.
Em suma, o saber estabelecido padece de dois defeitos: a falta de organização e a falta de solidez das bases em que assenta.
Ao criticar o saber do seu tempo, Descartes não pretende dizer que com ele é que surge a verdade, mas simplesmente que os fundamentos do sistema dito científico não são verdadeiros e que, embora haja conhecimentos verdadeiros nesse sistema eles não estão colocados por ordem, ou seja, não foram descobertos de uma forma ordenada ou racional. Assim a fundamentação do saber e a sua ordenação são as duas exigências essenciais da crítica cartesiana ao saber do seu tempo.
O que é necessário para que o edifício do saber seja solidamente fundamentado?
É necessário que os fundamentos ou alicerces desse edifício sejam conhecimentos absolutamente indubitáveis e devidamente ordenados de maneira a que não se faça do primeiro princípio do sistema do saber um conhecimento que dependa de outros (deixaria de ser primeiro). Um sistema tem sempre um ponto de partida, um princípio primeiro, a partir do qual se podem deduzir outros conhecimentos que desse princípio dependem. Essa dedução tem de ser ordenada nunca colocando o conhecimento C antes do conhecimento B e assim sucessivamente.
Postas estas considerações podemos definir as características que o primeiro princípio do sistema do saber deve possuir. Esse princípio tem de ser:
a) Absolutamente primeiro, ou seja, tem de ser um conhecimento do qual todos os outros dependem, não dependendo ele de nenhum outro.
b) Absolutamente verdadeiro ou indubitável, isto é, sobre ele não pode ter - se a mínima dúvida.
c) Fecundo, isto é, deve conter em si a possibilidade de outros novos conhecimentos.
Podemos então formular qual o objectivo essencial da filosofia cartesiana: constituir um sistema ou edifício do saber assente em princípios ou bases totalmente novas. Isto implica que o edifício científico tradicional deve ser derrubado. Começar absolutamente de novo no plano do saber eis a palavra de ordem de Descartes. É um saber absoluto, absolutamente inquestionável, aquilo que Descartes pretende.
Por esta razão não vai haver, para Descartes, qualquer meio-termo entre a verdade e a falsidade. Estamos perante um conceito «absolutista» de verdade: só é verdadeiro o conhecimento que for absoluta e totalmente verdadeiro. Deste modo, Descartes identifica o conhecimento provavelmente certo (i.e., incerto) com o conhecimento falso. Quando um conhecimento despertar a mínima dúvida, por mais insignificante que esta seja, será rejeitado e considerado falso. O provavelmente verdadeiro não é totalmente verdadeiro. Como só é verdade o que é totalmente verdadeiro, o conhecimento provavelmente verdadeiro, uma vez que a probabilidade é sinónimo de dúvida, de falta de certeza absoluta, é considerado falso. Isto é o cumprimento à letra do que diz a primeira regra do método. Onde houver lugar para a dúvida, por mínima que seja, não há qualquer lugar para o conhecimento verdadeiro.

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