sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

TEXTOS SOBRE O PROBLEMA DA CLONAGEM



TEXTOS SOBRE O PROBLEMA DA CLONAGEM
Temas e problemas da cultura científico-tecnológica
A clonagem humana: cenários de sonho e de pesadelo
Em 1991, o doutor Klein, do Instituto de Genética Médica de Genebra, declarou que por volta de 2020 seria possível fabricar cópias exactas de seres humanos. Em inícios de Outubro de 1993, cientistas americanos, utilizando embriões humanos defeituosos que não poderiam sobreviver muito tempo, realizaram uma experiência de clonagem pio­neira, até aí limitada a outras espécies animais e sobretudo aos bovinos. A 23 de Fevereiro de 1997, uma equipa de cientistas escoceses consegue reproduzir uma ovelha (a célebre Dolly) sem fecundação. O impacto da notícia é bem maior do que em 1993. Porquê? Porque a ovelha Dolly foi clonada, não a partir de células embrionárias, mas sim de uma célula adulta retirada do úbere de uma ovelha. O resultado foi um ani­mal idêntico ao que "doou" a célula, uma ovelha da espécie Finn Dorset, com o mesmo aspecto e o mesmo código genético.
Julga-se possível fazer o mesmo com os seres humanos, mas, no caso de isso ser verda­de, imaginam-se vários cenários, uns sedutores e outros preocupantes.
"A Declaração Universal dos Direitos do Homem, as leis sobre os direitos dos cidadãos de todos os países, os textos doutrinários de todas as religiões, estão cheios de afirma­ções sobre o carácter único e irrepetível do ser humano, sobre a liberdade do seu desti­no, sobre a originalidade intrínseca e o direito à individualidade de cada um de nós. A consagração do direito à diferença é algo que consideramos uma das principais vitó­rias das sociedades democráticas e a ciência veio mesmo provar que a diferença no inte­rior de uma espécie é a melhor táctica para sobreviver. Se fôssemos todos iguais – por muito saudáveis que fôssemos – poderíamos sucumbir a uma mesma infecção. Sendo diferentes, alguém poderá sempre salvar-se. A diferença, para mais, baseia-se num dos truques mais astutos da natureza – o sexo. Uma maneira de criar um novo ser, completamente diferente, a partir de dois outros seres cujos patrimónios genéticos são bara­lhados ao acaso. O processo aumenta a biodiversidade dentro da espécie... é tão agra­dável que há quem diga que condiciona totalmente a estratégia da nossa vida. Foi contra este corpo de ideias, de convicções e de paixões que veio chocar a possibili­dade de se vir um dia a clonar seres humanos. Não é surpreendente que ela tenha feri­do de tal forma a nossa sensibilidade. Uma cópia é algo que tem, em princípio, menos valor do que o original e a clonagem parecia vir abrir essa possibilidade, pela primeira vez, em relação aos seres humanos. A de criar seres humanos de segunda classe. Depois, o facto de se saber à partida o que vai sair de uma clonagem priva os seres daí resultantes de algo a que pensamos que todos os humanos têm direito: a lotaria da natureza. Não terão os futuros seres direito à sua lotaria? A predestinação física a que os forçamos — por muito boa que seja — não os estará a privar de uma taluda genéti­ca? Não será tudo brincar a Deus? E não sabemos bem demais os riscos desse orgulho? O choque causado pela possível clonagem de seres humanos foi de tal forma violento que muitas pessoas preferiram enterrar a cabeça na areia e suspirar pelo tempo em que o acaso dominava o mundo e em que não era preciso fazer escolhas conscientes. O pro­gresso, porém, não é mais que um combate contra o acaso e não existe outro remédio, uma vez aberta a caixa de Pandora, do que olhar para o que de lá saiu.
Ninguém sabe se alguma vez se fez uma clonagem de um embrião humano, tornando a implantar as duas metades no útero de uma mulher e dando origem, artificialmente, a dois gémeos. O processo é fácil e talvez tenha sido feito mas não se sabe. Quanto à clonagem de seres humanos adultos, que se saiba, nunca foi feita. Mas, depois da clonagem de uma ovelha adulta, a proeza parece possível. Será admissível? Nos últi­mos dias, a reacção à possível clonagem de seres humanos traduziu-se num gigantesco uníssono horrorizado. Decidimos traçar alguns cenários – que parecem tecnicamente possíveis a curto prazo – para mostrar o que poderá ser a clonagem de seres humanos.
Admirável Mundo Novo - 1
Objectivo
Clonagem de indivíduos famosos já desaparecidos, para fins comerciais ou políticos
Vantagens e dificuldades
É difícil compreender quais seriam as vantagens de um programa deste tipo – para além da obtenção de um enorme impacto mediático, se estas acções fossem conhecidas do público.
De facto, não é possível prever as qualidades de alguém e menos ainda a sua personali­dade e os seus sentimentos por muito bem que se conheça o seu património genético. Aquilo que somos e fazemos depende muito mais da nossa história que da nossa heran­ça genética.
A clonagem de uma pessoa permite obter alguém que é fisicamente muito parecido com a pessoa original, mas não garante mais do que isso. A realidade é que nem sequer se sabe em rigor quão parecido seria um clone com o seu original, já que os únicos clones huma­nos que conhecemos, os gémeos verdadeiros, são provavelmente idênticos não só porque têm um genoma igual, mas também por terem sido gerados por uma mesma pessoa em condições idênticas. Sabe-se que é necessário que duas pessoas sejam geneticamente idên­ticas para serem fisicamente iguais (os gémeos não verdadeiros podem ser bastante disse­melhantes), mas não se sabe se essa condição é suficiente.
Ou seja, tudo o que a clonagem de células de Hitler, de Einstein ou de Marilyn permitiria obter seriam sósias de Hitler, de Einstein ou de Marilyn, se fosse possível encontrar célu­las de algum deles com um ADN íntegro e intacto, se se encontrasse uma mãe hospedeira o que não parece difícil e se alguém tivesse paciência para esperar os 30 anos necessários para que o sósia se parecesse de facto com o seu original – o que é mais improvável. É altamente improvável que um sósia de Hitler fosse tão desumano como ele, que um sósia de Einstein fosse tão inteligente como ele e que uma sósia de Marilyn fosse tão atraente como ela. Mas, ainda que isso acontecesse, as condições concretas da sua vida não lhes permitiriam repetir a história. Hitler, se vivesse hoje, não poderia ser Hitler. Einstein casou-se em primeiras núpcias com Mileva Marie, que foi uma das físicas teóri­cas mais brilhantes do início do século.
Mileva participou nos trabalhos do marido, que levaram ao enunciado da teoria geral da relatividade – há mesmo quem defenda que é dela a maior parte do trabalho –, tendo dado à luz dois filhos que pareciam ter à partida todas as condições genéticas para serem brilhantes. Um deles, no entanto, era doente mental e viria a morrer num hospital psiquiátrico.
E alguém poderá sonhar que Hitler teria existido sem o Tratado de Versalhes e a recessão económica de 1929? E que Marilyn poderia ter existido sem o star system dos anos 50?
Os clones poderiam ser curiosidades interessantes – como o foram os filhos de Einstein ou os de Estaline –, mas não poderão repetir a História e nada indica que tenham con­dições para serem tão extraordinários como os indivíduos que lhes dariam origem. Existem alguns problemas legais para levar a ideia a cabo. Se o ADN de Marilyn existis­se nalguma célula de um dos seus ossos, seria necessário autorização dos seus herdeiros legais e do Estado para o utilizar.
Seria necessário que houvesse uma verdadeira cabala que envolvesse herdeiros, Estado e um empresário de circo disposto a esperar 20 ou 30 anos por um retorno duvidoso deste investimento para que a clonagem se fizesse.
Finalmente – e isto constitui a principal falha dos cenários de pesadelo sobre a clonagem – caso esse clone fosse obtido, ele seria sempre um ser livre e o seu criador não teria sequer sobre ele/ela os direitos que os pais têm sobre os filhos. Será que alguém estaria disposto a investir uma fortuna e imensos anos para produzir um clone de Marilyn na esperança que ela fosse tão magnética como o original e se deixasse exibir como uma curiosidade de feira? Ou para produzir um clone de Hitler, correndo o risco de que ele se revelasse um defensor da democracia? Ou um clone de Einstein que se viesse a reve­lar débil de espírito? É mais barato contratar sósias ou tentar educar alguém para que se torne um génio da física.
Questões éticas
Do ponto de vista ético, este cenário levanta evidentemente problemas. Antes de mais, a simples criação de um ser com o premeditado propósito de o explorar comercial ou politicamente é claramente inaceitável. Quando se trata de produzir alguém que carre­garia, para mais, a pesada herança histórica de um daqueles indivíduos, é evidente que estamos a condicionar de uma forma particularmente violenta a sua vida – quanto mais não seja pelas associações de ideias que iria permitir a seu propósito. É difícil defender de uma tal clonagem seria feita em benefício de alguém.

Admirável Mundo Novo - 2
Objectivo
Clonagem de indivíduos ainda vivos com capacidades particulares (desportistas, prémios Nobel)
Vantagens e dificuldades
É de crer que os clones de Cari Lewis ou de Michael Jordan tivessem características físi­cas semelhantes às dos originais e, por isso, a clonagem parece ser razoável nestes casos, se isso é tudo o que se pretende. Caso os próprios Lewis e Jordan estivessem de acordo, seria possível clonar as suas células, esperar uns anos... e obter a melhor representação olímpica de sempre e a melhor equipa de basquetebol do mundo. É duvidoso, porém, que estes atletas — ou outros — gostassem de ter um "filho/clone" que estivesse con­denado, desde logo, a seguir as pisadas do pai. As revoltas contra o criador não surgem apenas no caso dos Frankensteins, podem ser classicamente edipianas.
Quanto a clonar um prémio Nobel, nada garante que o intelecto do clone tenha as características do original. O cérebro parece ser moldado muito mais pela experiência do que pelos genes.
Questões éticas
Clonar alguém para que esse indivíduo preencha uma determinada função predefinida é algo que atenta de uma forma inaceitável contra um direito fundamental: o direito de cada ser moldar o seu próprio futuro. É por isso que estes cenários de pesadelo para a clonagem não são compatíveis com os princípios das sociedades democráticas. Seria pre­ciso combinar a clonagem com alguma forma de escravatura para que estes planos pudessem ser levados a cabo.
Elixir da juventude Objectivo
Clonagem para obtenção de embriões que possam ser usados como fornecedores de órgãos para os seres clonados.
Vantagens e dificuldades
É possível imaginar um cenário em que um milionário decide produzir uns quantos clones de si próprio, para em seguida congelar os embriões assim obtidos. Os embriões poderão ser usados em caso de necessidade, como fornecedores de "peças". A vanta­gem? Os clones são genericamente idênticos ao original e, portanto, os órgãos não irão apresentar quaisquer problemas de incompatibilidade. Seria como usar os seus própri­os órgãos.
Os rins deixam de funcionar? Pode implantar um embrião numa "barriga de aluguer", deixar que ele se desenvolva até surgirem as células precursoras dos rins e implantar estas células, que poderão – graças ao futuro desenvolvimento da tecnologia – dar ori­gem a um órgão inteiro. Num cenário mais macabro, é igualmente possível produzir de facto um ser apenas para lhe extrair órgãos ou tecidos (sangue, medula óssea, células cerebrais). É um cenário de ficção que poderá não estar longe, tanto mais que, à medi­da que a população vai envelhecendo, se vão multiplicando as doenças degenerativas, da artrite reumatóide ao Alzheimer e ao Parkinson. Algumas células previdentemente postas de parte podem permitir um banho de juventude ou a cura de algumas destas doenças. A injecção de células fetais (oriundas de fetos abortados) no cérebro de doen­tes com parkinsonismo é uma das esperanças de cura desta doença. Se se tratar de célu­las colhidas num clone, igual ao doente, mas 70 anos mais novo, as possibilidades de êxito podem ser substancialmente maiores.
Questões éticas
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Este é um cenário de terror por excelência, aquele que, segundo muitas opiniões, conjuga o total desrespeito pelo ser humano, o egoísmo mais total e se traduz em homicídio planea­do a frio. Mas há argumentos que podem ser avançados em sua defesa: não seremos donos das nossas próprias células? Haverá uma diferença tão grande entre fabricar um embrião para extrair um órgão e fazer uma cultura de células num laboratório para as voltar a injectar em nós próprios? O que dizer, para mais, se isto tiver lugar num país onde o aborto é livre até às x semanas? Será possível nesse caso proibir a clonagem, o desenvolvimento de um embri­ão, a interrupção do seu desenvolvimento e o uso das células? Será isto tão diferente de colocar o sangue ou o esperma num banco para o usar em caso de necessidade?
Clone para salvar uma vida
| Objectivo
Clonagem de uma pessoa doente para produzir um órgão que lhe pode salvar a vida. Vantagens e Dificuldades
Parece tratar-se de um cenário semelhante ao anterior, mas o décor é tão diferente que transforma o enredo de uma forma substancial. É relativamente frequente um casal com um filho com leucemia que precisa de uma transfusão de medula óssea ter um segundo filho para conseguir dessa forma um dador compatível (a medula óssea extrai-se com uma seringa de um dos ossos ilíacos). O melhor dador é um gémeo, mas nem sempre uma criança com leucemia tem um irmão gémeo. A clonagem permite obter um "gémeo mais novo" da criança doente, que será um dador ideal de medula.
Questões éticas
Em teoria este cenário levanta grandes objecções éticas, pois trata-se da produção de um ser humano para um fim utilitário específico. No entanto, seria difícil condenar os pais que tomassem essa atitude. Aqui, o clone existe por uma razão precisa e lógica, mas a sua liberdade futura está em causa. É difícil dizer que a sua geração é um gesto desu­mano e é mesmo possível colocar a questão ao contrário: seria admissível que os pais da criança com leucemia, podendo produzir um dador ideal de medula óssea, para o seu filho, não o façam? Será que esse dador – pelo facto de ser um gémeo do doente – será menos amado do que se fosse um irmão não gémeo?
O clone do além: a reencarnação
Objectivo
Clonagem, por razões afectivas, de indivíduos mortos.
Vantagens e dificuldades
Tudo o que poderá ser necessário para clonar um indivíduo é uma célula com um ADN inteiro e em bom estado – ainda que, na prática, para conseguir uma célula nestas con­dições seja preciso escrutinar umas centenas ou uns milhares de células. Sendo assim, nada exige que o indivíduo em questão esteja vivo. Basta que existam – congeladas, por exemplo, ou escondidas algures no interior de um dos seus ossos – umas quantas célu­las em bom estado.
Trata-se de uma verdadeira reencarnação dos genes. Metidos num ovo, metido num útero, os genes fabricarão à sua volta a sua nova carne, um novo indivíduo, com um aspecto igual ao/à desaparecido/a. Poderá não servir de nada clonar Einstein, mas não seria agradável clonar a avó Alzira?
O cenário pode surgir por outras razões que não a procura do exotismo. Uma viúva pode achar que essa é a única maneira de perpetuar o seu marido morto, que não chegou a ter o filho que queria. Um casal cujo filho morreu e que pode ver-se impedido por razõ­es médicas de ter mais filhos não sentirá a tentação de clonar o seu filho, se o puder fazer? Afinal, seria como um gémeo.
Questões éticas
Obrigar alguém a viver num corpo predefinido é negar-lhe originalidade a que todos temos direito, mas, afinal, não nascemos todos num espartilho genético? Não temos o nariz do avô, as mãos da mãe, os olhos do pai e até as doenças da família, que dispen­saríamos com alegria? Terá importância se um clone é um pouco mais parecido com o original do que um filho com o pai? Terá a pessoa que nasce de um clone a sensação de não estar a estrear a vida, de viver em segunda mão? Não é isso que acontece já, quan­do um casal tem um segundo filho para ocupar o lugar de outro que morreu? A solução poderá ser chocante para os outros, mas, no caso, ficcional, de pais que deci­dam clonar um filho morto, não sentirão que estão a fazer o que podem (o que devem) para dar uma segunda oportunidade à mesma vida?
O meu filho - 1 Objectivo
Ter um "filho" geneticamente igual a si próprio/a, sem a contribuição genética do outro sexo.
Vantagens e dificuldades
Um homem terá sempre necessidade de uma mulher quanto mais não seja como "barriga de aluguer" para gerar o seu clone, mas uma mulher pode perfeitamente gerar o seu clone praticamente sozinha. Vantagens?
Além da originalidade do caso, não é de excluir a possibilidade de alguém ser sufici­entemente presunçoso para pensar que os seus genes devem ser preservados na íntegra e não apenas em parte, mas também pode acontecer que, num casal, um dos elementos tenha uma doença genética grave e não queira correr o risco de a transmitir a eventuais filhos. Porque não excluir essa possibilidade através da clonagem? Imagine-se que a por­tadora da doença em questão seja a mulher. O homem pode contribuir com o ADN e a mulher pode encarregar-se da gestação – um filho dos dois, com os genes de um só. Se a clínica for discreta, quem irá desconfiar de algo anormal só porque o filho é a cara do pai?
Questões éticas
Se o objectivo for ter um/a filha sem qualquer contribuição do outro sexo, a condena­ção é fácil, já que se aceita que uma criança tem direito a ter dois pais e a viver com ambos – é com base neste princípio que se costuma excluir pessoas solteiras de proto­colos de inseminação artificial, fertilização "in vitro" e adopção. Mas se os dois pais exis­tirem em termos sociais, terá importância que os genes sejam apenas de um, principal­mente se houver razões médicas para isso? É difícil considerar esta caso eticamente ina­ceitável, a não ser com base numa posição de princípio contra a clonagem.
O meu filho - 2
Objectivo
Um monarca estéril decide clonar-se para garantir o domínio da sua descendência
Vantagens e dificuldades
Para alguém com o poder de um monarca, as dificuldades práticas seriam facilmente ultrapassáveis e as vantagens, neste caso, evidentes. Há, no entanto, uma questão legal: não está definido o que é um clone. Do ponto de vista legal, terá um clone direito a her­dar os bens e prerrogativas do seu original? A resposta simples é que sim: se alguém que herdou metade do património genético de outro tem esse direito, por que razão não o teria alguém que herdou todo o património genético dessa pessoa?
Questões éticas
Levantam-se aqui as mesmas questões que noutros casos: a existência de um "projecto" para o futuro ser, que limita a sua liberdade. Mas quantas pessoas não têm um filho e o condicionam de todas as formas possíveis para que seja médico ou futebolista?
Um clone que não é clone
Objectivo
Clonagem de um embrião humano devido a uma deficiência.
Vantagens e dificuldades
Há casos de casais inférteis onde não existe nenhum problema genético, mas existem deficiências ao nível do citoplasma do óvulo. O casal A pode fertilizar um óvulo pelo agradável processo clássico, esse óvulo fecundado pode ser colhido, cultivado até ao estádio de embrião e, seguidamente, pode ser extraído o ADN de uma das suas células (que é uma mistura do ADN do senhor A e do da senhora A). Depois, esse ADN pode ser inserido num óvulo de outra mulher e esse óvulo reimplantado no útero da senhora A

Tudo o que acontece é que o ovo tem outro citoplasma à volta, mas, tecnicamente, trata-se de uma clonagem. Uma clonagem não de um ser adulto, mas de um embrião. O resultado será um clone... mas que não tem original.»
Questões éticas
Difícil levantar reticência a esta prática, que já foi apresentada como exemplo de uma clonagem eticamente inatacável. De facto, trata-se mais de uma transplantação de cito­plasma que de uma clonagem. Não há original e cópia neste caso, que é o que torna a clonagem tão repugnante para a nossa sensibilidade.



VALE A PENA CLONAR?
«Pode ser verdade que, quando se tira o núcleo de um adulto, esses cromossomas têm uma história gravada de modo que, quando se faz um novo ser, esse ser tenha a sua idade mais a idade anterior. O que traz condições para o tipo de clonagem que se faz: ninguém vai fazer outro ser humano a partir de uma célula de uma pessoa que já tem 50, 60 ou 70 anos.»
Alexandre Quintanilha (2002), in Jorge Massada, Vale A Pena Ser Cientista?, voI. 1, Porto, Campo das Letras, p. 42 (Adaptado).
NÃO HÁ RAZÃO PARA ALARME
«Eu acho que há muito pouca gente que queira mesmo clonar huma­nos, sobretudo quando perceberem uma coisa: o clone de uma pessoa nunca vai ser uma pessoa igual a ela. Vai ser parecida fisicamente, mas muito pouco mais do que isso. O problema ético não é novo, já o tínha­mos com os gémeos. Os gémeos verdadeiros são clones um do outro. E, como sabe, apesar de os gémeos serem habitualmente educados de maneira idêntica, de serem vestidos de igual, de terem uma vida que do ponto de vista biológico é muito semelhante, de muitas vezes terem as mesmas doenças (mas nem sempre, a propósito), também são pessoas diferentes, às vezes muito diferentes. Ou seja, muito do que nós somos é epigenético, não só pela educação, pelas experiências vividas, mas tam­bém porque coisas importantes no formar do nosso corpo não são hardwired nos genes. Por exemplo, as trajectórias dos neurónios no cérebro, os contactos que estabelecem entre si, são estocasticamente estabeleci­dos, ou seja, um clone meu teria, à partida, um cérebro fisicamente dis­tinto do meu. Como daqui vai depender o impacto e interpretação das diferentes experiências no estabelecimento da personalidade, é evidente que o clone será psicologicamente muito diferente do original.
Ora, se alguns dos passos importantes na construção do nosso corpo ocorrem "ao acaso", a possibilidade de repetir exactamente o mesmo indivíduo é zero. Por esta razão, a clonagem não é uma coisa que me aflija demasiado. Evidentemente seria muito deprimente chegar ao café e ver toda a gente com a mesma cara. Mas nunca me preocupou que alguns tentassem repetir indivíduos, porque em biologia não há essa possibilidade. Esta é, de resto, a grande beleza da biologia quando com­parada, por exemplo, com a Física: um átomo de hidrogénio é igual a qualquer outro átomo de hidrogénio, mas qualquer ser vivo é diferente dos outros todos. E depois, outra coisa que poucas pessoas sabem: para cada "clone" é sempre necessário encontrar uma mãe...
Resposta de António Coutinho a uma entrevista (2002), in Jorge Massada, Vale A Pena Ser Cientista?, voI. 1, Porto, Campo das Letras, pp. 77-78 (Adaptado).
   

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